quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Próxima estação

São Paulo.  No horizonte, o sol começa a recolher-se. A temperatura começa a cair e as pessoas a correr.  Uma corrida para chegar o quanto antes no metrô; ônibus ou apenas para evitar o inevitável – trânsito.  Dentre vários pontos da cidade, talvez, o melhor para se identificar o comportamento de seus habitantes seja o metrô.

Há 35 anos em funcionamento a ligação Leste – Oeste, ou, linha três vermelha é hoje a mais movimentada entre todo o sistema de trens. E é nela em que começamos a nossa viagem rotineira pela capital. Embarcamos na estação Carrão; sentido Palmeiras Barra Funda; tranquilo, sem empurra-empurra ou briga por lugar. Situação complemente oposta ao que ocorre no sentido Corinthians – Itaquera. Lá, o cidadão paulistano vive por alguns longos minutos como uma sardinha. Newton, por exemplo, se fosse usuário do metrô paulista teria pensando duas vezes quando disse que dois corpos não ocupam o mesmo espaço.  

Foto: Felipe Higino
Já dentro do vagão, o clima corriqueiramente é o mesmo: Pessoas caladas, com expressão cansada. Dificilmente encontra-se alguém sorrindo ou feliz por estar ali. Alguns buscam na leitura o seu passatempo, outros, preferem  o celular como companheiro de viagem.  O grande campeão de entretenimento é o fone de ouvido.  Com eles, vivemos o nosso mundo, por alguns minutos até esquecemos que estamos ali.

É o que acontece com dois jovens, aparentemente cada um com 18 anos. São amigos, mas não se falam. Cada um segue o trajeto com o seu fone; sua música. Mas com uma sincronização quase que perfeita, os dois movimentam os seus corpos, balançando suas cabeças e, por alguns instantes, demonstram que, para eles ali nada mais era que um grande show, onde dançavam tranquilamente em um espaço reduzido.

Ao longo do caminho o vagão que era vazio fica cheio. O sol já é apenas um ponto laranja no horizonte e a temperatura vai caindo. A vantagem da linha vermelha é que boa parte do seu trajeto é feito na superfície, isso nos possibilita uma visão de como está lá fora.  O transito já ganhou à cidade, tudo parado – Essa é a rotina do cidadão paulistano. Chegando ao Brás o trem para... Mas volta segundos depois.  A senhora que ao meu lado olha para cima e agradece por não ter demorado. Seguimos viagem.

“Próxima estação Sé, transferência para a linha 1 azul do metrô”.  A frase que todos queriam escutar, a movimentação começa. O espaço – que ficou reduzido ao longo do trajeto – começa a ser disputado. Cada centímetro ganho é quase que uma vitória. O trem vai parando e é como se um juiz falasse na cabeça das pessoas: Preparar, apontar... Vai! A porta se abriu e o formigueiro ganha vida, corpo.  A maioria sai correndo para as escadas, desce, empurra e tenta chegar antes do pelotão que a segue.  Eu costumo dizer que a estação Sé é onde o filho chora e a mãe não vê. Ali, não existem regras de cordialidade. Todo mundo só pensa em chegar à plataforma de embarque.

Se no começo da nossa viagem sobre os trilhos que ligam São Paulo a entrada no vagão foi tranquila, aqui, na Sé, tudo muda.  Espera um, dois, três... Quem sabe no quarto trem de para embarcar.

Eu, como um mero usuário entre centenas de miliares, sigo sempre para o mesmo lugar, a última porta de embarque. Lá, é verdade, é onde toda a viagem começa a perder clima tenso e ganha um toque especial. O motivo: 1,70 cm de altura, aparentemente 19 anos; morena; bochechas levemente rosada e um jeitinho encantador.  Não sei o seu nome, suponho que seja Mariana – gosto dele.  Nunca conversamos ou, se quer, trocamos meias palavras. Mas de algum jeito sua presença ali me faz esquecer todo o aperto do momento. As estações que antes demoravam, agora voam como um pássaro rumo à liberdade.  Já na estação Ana Rosa, é hora de descer.

Tudo começa outra vez, abram-se às portas, as formiguinhas saem e entram. E é assim, rotineiramente, como o ciclo do metrô, que a São Paulo passa de tarde para noite. Seguindo sua rotina de transito, estresse e quem sabe, amor. 

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Um Brasil dividido


Domingo. O relógio marcava oito horas da noite. Neste momento, o país voltou suas atenções para qualquer meio de comunicação possível, era hora de saber quem seria o novo Presidente da República.  Dois minutos mais tarde, surgiram os primeiros comentários. “O nordeste elegeu essa mulher”, “Malditos nordestinos, que votam nela para Presidente e depois querem morar em São Paulo”, “Vamos dividir o Brasil assim como é na Coréia, em Norte e Sul”.

O etnocentrismo  esbravejado aos quatro cantos do Facebook foi apenas um reflexo de toda a campanha eleitoral. O engajamento político junto com o ódio – candidatos e militantes – ajudou o desenvolvimento de tais discursos. Discursos esses que nos fazem relembrar os anos 60, nos Estados Unidos, onde milhares de negros foram às ruas brigar por seus direitos civis. Na época, Malcom X, Luther King, Nina Simone também lutavam contra o racismo e segregação da sociedade americana.

Segregação essa que também começa a crescer em nosso nobre povo paulista. Aposto que você, assim como eu, já viu, ouviu algum amigo clamando pela independência de São Paulo, certo?  Certo.  Esses, em grande maioria, nunca atravessaram os limites da ponte para descobrir como o mundo é diferente.  Os separatistas paulistas buscam no estereótipo de povo aguerrido e trabalhador para justificar a divisão. Criticam aqueles que lutam contra o determinismo social, acham errado alguém deixar suas terras em busca de uma nova vida – Mesmo a grande maioria sendo filha ou neta de algum imigrante europeu.

O preconceito que ganhou as eleições fez com que algumas pessoas esquecessem a sua origem brasileira. Fez com que esquecêssemos que toda a briga entre azuis e vermelhos é para o bem comum – coletivo.  Quebrar a bolha social em que vivemos é essencial para esse entendimento.  A busca pelo conhecimento social tende ser maior que um rápido Google, ou sobre aquela imagem da internet. O porquê escolher X ou Y é além de uma sigla, ou cor. Antes de tudo, é necessário entender que eles são nossos irmãos também.

Não podemos também deixar a onda de ódio apenas na conta de militantes e candidatos. A imprensa também tem grande culpa em tudo que se viu e leu em suas redes sociais. Na mesma noite de domingo, quase segunda-feira, o apresentador do “Manhattan Connection”, Diogo Mainardi, do canal Globo News, usou da seguinte frase para comentar a vitória da presidente Dilma.

"O Nordeste sempre foi retrógrado, sempre foi governista, sempre foi bovino, sempre foi subalterno em relação ao poder, durante a ditadura militar, depois com o reinado do PFL e agora com o PT. É uma região atrasada, pouco educada, pouco construída que tem uma grande dificuldade para se modernizar na linguagem. A imprensa livre só existe da metade do Brasil para baixo. Tudo que representa a modernidade tá do outro lado.”

Afirmações como essa ajudam a aumentar ainda mais o ódio e preconceito. Em São Paulo, o deputado eleito, Coronel Telhada, usou de seu Facebook para incentivar a separação do estado do nordeste. No entanto, Mainardi e Telhada, mostram o desconhecimento sobre o cenário votante brasileiro, visto que, Dilma Rousseff obteve números quase iguais de votos no Norte e no Sul.

Felizmente tal ódio será passageiro. Em breve algo ganhará mais repercussão que dividir o país ou que o povo A é melhor que o B. É preciso acreditar, pois até no lixão nasce flor.